A MAGIA DA OCULAR DA MINHA CÂMERA
“Por bem ou por mal, o destino do fotógrafo está ligado aos destinos de uma máquina”, Dorothea Lange.
A fotografia fascina-me, a multiplicidade de funções que pode desempenhar é incrível, desde um simples registo documental para mais tarde recordar, até à mais íntima e complexa composição artística, a fotografia desempenha o seu papel, mas necessita sempre de um interface entre o fotógrafo e a realidade.
A fotografia é arte? Não me preocupo em responder, sei que há várias áreas na fotografia, uma delas é seguramente a fotografia artística, isso chega-me para saber que o fotógrafo não pode ser entendido como um técnico que simplesmente sabe operar uma máquina, pois é com essa máquina que o artista corta e recorta, torce e distorce, ilumina ou escurece a realidade, consoante a poesia visual que pretende transmitir.
A evolução tecnológica da câmara fotográfica abriu perspetivas que permitiram um novo mundo de possibilidades ao fotógrafo, é uma revolução semelhante ao que estamos experienciando hoje com a inundação dos telefones cada vez com mais sofisticado desempenho para fazer fotografia. Semelhante? Sim, no plano da tecnologia, quer a evolução das câmaras, quer a revolução dos telefones com câmara é esplendorosa, mas enquanto a primeira contribui diretamente para a possibilidade do fotógrafo fazer melhor fotografia, a segunda é responsável pela massificação da fotografia e sem dúvida, pela sua democratização.
Há algo de mal, de demoníaco, na massificação da fotografia? Seguramente que não. A fotografia inundou o nosso dia-a-dia, produz-se e consome-se de maneira infindável, todos tiramos fotografias com telemóveis. Dos muitos destinos que damos a essas fotografias, um deles talvez o mais nobre, é salvarmos algumas, depois de passearem fugazmente por alguma rede social, ficam guardadas nas trevas cibernéticas de uma nuvem, dum disco ou até mesmo acantonadas no telemóvel. Sempre é um salvamento, mas será que desempenha em nós o mesmo nível emocional que uma cópia de prata ou platina coloidal da mesma imagem, estamos na era de salvar fotografias, não de as saborearmos.
Mas digo para mim mesmo, não sejamos elitistas, ou melhor, não sejas elitista, não menosprezes o teu iphone. O produto final obtido pela câmera de um iphone, pode ser igual, ou até melhor, que o obtido por uma fujifilm. É certo que sim, mas já não consigo dizer para mim mesmo, que o processo de obter esse produto também é igual, quando nem sequer é parecido, ou melhor, não tem nada a ver um com o outro. Será esta, uma opinião radical? Não, é simplesmente real, factual.
É um facto que só obtemos a fotografia servindo-nos de um equipamento que se interpõe entre nós e o famoso assunto e sem dúvida alguma, a relação que mantemos com esse equipamento é um assunto sério. Tão sério que meu corpo consegue passar pela ocular da câmera, escapar pelo diafragma e sair pelo obturador, felizmente já não preciso contornar o espelho (obrigado, evolução tecnológica) e misturar-me, mexer, engalanar ou somente despir o tal assunto. Minha mente, meu corpo, torna-se parte, não sei se da câmera, se da imagem que quero compor. Com o telemóvel nada disto acontece, esbarro no vidro do seu monitor e porquê? Porque simplesmente o telemóvel não tem ocular, é um facto.
Mas esse facto fará tanta diferença assim? Aqui, mais uma vez as opiniões, com certeza, se dividem. Dir-me-ão, que até já existem acessórios que funcionam como autênticos oculares para o vidro do telemóvel, mas certamente nunca eu, servindo-me desses gadgets conseguirei alhear-me do que se passa do lado de cá da máquina a que obrigatoriamente tenho de recorrer e servir-me da magia do ocular para me transpor para outra dimensão, a dimensão da fotografia. Dimensão da fotografia? Não será este mais um chavão oco e elitista? Poderei chamar-lhe outra coisa, mais terrena talvez, mas certamente terá de significar o estado meditativo que faz minha mente se concentrar espontaneamente onde minha visão se detém, é este processo mágico, simultaneamente orgânico e espiritual que alcanço somente quando cerro meu olho esquerdo e o direito se cola ao ocular de minha câmara fotográfica.
É um facto que o telemóvel não tem a magia da ocular da minha câmera fotográfica.